Uma coisa é inegável: quer você ame o Italo, quer você abomine o Italo, quer você nem saiba quem raios é o Italo (alguém sempre faz questão de dizer, com uma espécie de prazer suspeitosamente muito parecido com orgulho, que "nem sei quem é esse sujeito"), foi o Italo Marsili quem começou esta história de responder caixinhas de Instagram com textos.
Italo foi o primórdio, o frenético e despirocado marco zero do Instagram textual. Aliás um tipo de Instagram, vale dizer, que é exclusivamente brasileiro e não se encontra em nenhum outro lugar do mundo.
Ironicamente, ninguém no mundo escreve tanto no Instagram e tanto lê no Instagram quanto o brasileiro — o mesmo brasileiro que mal consegue ler dois livros inteiros num ano.
Fica, então, a pergunta: como o Italo de Marsili escreve?
Já disseram mil vezes que ele é polêmico e polarizante e tudo mais… ok. Mas como ele faz isso na escrita? Usou alguma técnica de escrita? Se sim, quais?
E mais importante: como é que você pode usar essas técnicas para tornar a sua própria escrita mais potente?
Antes de começarmos, um disclaimer.
Analisar a escrita do Italo não quer dizer que eu concorde com tudo o que ele já disse, pensou, sonhou e ainda vai dizer pelos próximos 40 anos. Quer dizer que o estou pegando como um exemplo mais à mão para lhe mostrar isto:
A principal diferença entre você e quem escreve para uma audiência enorme é que eles usam técnicas e você, não.
Também não quer dizer que você, também, precise concordar com o conteúdo das frases para entender como é que elas funcionam. Não importa que você odeie a Peugeot se o objetivo é aprender como é que funciona um motor de carro.
Conteúdo é uma coisa, Forma é outra.
Por favor, vamos ser adultinhos.
Vamos aprender a escrever.
1. O ITALO DEIXA VOCÊ COM RAIVA
"O fator que mais poderosamente indica viralização é quanta raiva um artigo causa. Vou repetir: o que mais indica que algo vá se espalhar online é a raiva que aquilo gera." — Ryan Holiday.
Italo já deixou muita gente puta. Desde falar que avô não presta pra nada, chamar seguidora de piranha ou mandar fulano para o canil até dizer que Deus gosta mais dele do que dos outros — Italo nunca foi moderado.
Italo tem suas explicações para o tom que usa(va) nos stories: se responde atravessado, xinga de uma vez ou vai de PIRANHA a TOME NO COOL, é porque está dando um soco para mover a audiência. O brasileiro é imaturo e mimado. Não precisa de afagos. Precisa de um tapa na cara. Um chacoalhão que o acorde para a vida.
Eis a sua "Terapia de Guerrilha".1
Por outro lado, se tirava sarro da pergunta ou gozava com a cara do leitor, é porque ali havia um ensinamento sobre como é que temos de viver a vida ou porque estava criando uma necessária leveza no Instagram.
A explicação fica na cabeça do leitor e entra em ação para neutralizá-lo assim que ele pensa em ficar puto: se funcionar, o leitor reafirma o Italo como autoridade e se coloca mais à sua mercê (ele sabe o que está fazendo, eu não. Está sempre dez passos à frente). Se não funcionar, o leitor pega ranço e sai do perfil.
Se funcionar ou não funcionar, porém: o leitor compartilha o story.
E como já nos ensinava há anos o professor do MIT: "se não se espalha, está morto".
Nas redes sociais, vence quem é capaz de atiçar emoções.2
Problema: nem todas as emoções servem para fazer as pessoas compartilharem o que você escreve. A tristeza, por exemplo. Ninguém compartilha o que é deprimente. Por definição, o borocoxô não se alastra; o tristonho não se expande. Antes, vai chorar no banheiro em posição fetal — sozinho.
Qual é a emoção mais viralizante de todas?
A raiva.
Assim, portanto, chegamos à conveniente situação na qual o esculhambo é tanto ferramenta pedagógica quanto estratégia de marketing.
O leitor fica maduro, o Italo fica famoso. Todo mundo ganha (é o que dizem).
O soco é para te mover, mas também é para fazer você compartilhar.
E como ele faz isso? Simples: o vocabulário.
2. O ITALO USOU UM VOCABULÁRIO QUE QUEBROU PADRÕES
Ponha sua memória para funcionar no tranco e tente se lembrar de como era a imagem de um médico na internet antes de o Italo chegar arrombando o Instagram.
Jaleco branco, braços cruzados e um sorriso amarelo. Óculos de grau. Calvície. Uma coisa meio tiozão que não sabe ligar o computador e pede para o sobrinho fazer um perfil no Instagram. Ou o médico rico e famosinho com a linguagem asséptica, os dentes brancos de rico reluzindo diante das câmeras.
De repente, Italo Marsili.
"Foda-se o seu bem-estar."
"Você tem vivido feito um animal."
"Se continuar sendo esse bosta preguiçoso, você vai se foder de verde e amarelo".
"O sexo não deve ser um mero foder e limpar a caceta."
O vocabulário deixou todo mundo em estado de choque. Que raios era aquilo? Um médico podia falar assim? Era ético? Tipo: era permitido por lei?
Ninguém nunca tinha visto algo parecido — especialmente porque Italo era casado e tinha uns cinco filhos. Psiquiatra e pai de família mostrando o dedão do meio nos stories e mandando seguidor tomar no cool. Não foram poucos que duvidaram de que Italo era um médico mesmo.
O vocabulário chucro foi viral porque ninguém imaginaria um PSIQUIATRA falando daquele jeito. Ele criou um prato cheio às páginas de fofoca: fácil, fácil criar headlines virais com prints de stories esculhambados e tascar um "psiquiatra" no meio do título. Foi uma quebra absoluta de padrão.
Só que a quebra de padrão foi dupla.
Qual era o tom geral do conteúdo de autoajuda no Instagram? Era o "você precisa se aceitar". O Augusto Cury dizendo que você é um vencedor na vida porque foi um espermatozóide nadador olímpico.3 O Paulo Coelho dizendo que o Universo inteiro conspira a seu favor quando você quer qualquer coisa — tipo enrabar a mulher do vizinho ou enganar seu patrão.
Era afagar, dar beijinhos, sussurrar, abraçar e soltar mel. Seus sonhos são lindos e vão dar certo, você é maravilhoso. Deus está contigo, dane-se o que você estiver fazendo.
De repente:
"A religião serve pra mudar essa mente imbecil e essa personalidade de merda que você tem."
Era tão chocante que paralisava. Mais uma vez: quebra de padrão.
"Ah, Raul, entendi! Então eu tenho que falar palavrão. Entendi. Peguei o código. É assim que se escreve bem, né?"
Não, diacho.
Estou dizendo que você pode usar o vocabulário para quebrar padrões e diferenciar-se dos outros.
O Rafael Censon, meu amigo, sócio e co-criador d'A Oficina de Escrita, chegou no mercado quebrando padrões. Como? Escrevendo textos de 40 páginas e se recusando a usar um vocabulário hiper-simplificado. Os gurus do marketing diziam que você precisa escrever para sua audiência como se estivesse explicando algo para uma criança de cinco anos — o Rafael ignorou os gurus e escreveu como adulto, para adultos. Resultado: destacou-se na hora.
Como é que eu me destaquei na literatura? Usando um vocabulário que você nunca veria na boca de um professor convencional. Usando "baranga" e "tribufu" num texto sobre Orgulho e Preconceito. Tornando gostoso e acessível um texto enorme sobre Anna Kariênina. Aproximando o leitor moderno dos clássicos. Quebrando o gelo por meio de uma linguagem cômica em vez de apelar à sisudez brega.
Quer escrever na internet e conseguir público? Preste atenção ao vocabulário comum do seu nicho e use um vocabulário diferente.
Você pode ser radicalmente subversivo se for sóbrio num lugar cheio de gente fazendo ofertas mirabolantes, por exemplo.
3. O ITALO USA EPÍSTROFES
"O beijo no seu filho pode ser o último, o abraço no seu pai pode ser o último, o amor com o marido pode ser o último, o aperto de mãos pode ser o último. Esteja presente com intensidade em cada movimento, cumprindo seu dever, matando seu egoísmo… só assim a vida responde ao que foi chamada a ser."
Que raios é uma epístrofe? Por que é tão importante você aprender epístrofe? Que mania baixou em mim para eu terminar todas as frases com a palavra "epístrofe"?
É porque estou usando… epístrofes.
A epístrofe é quando você termina várias frases em seguida com a mesma palavra (ou palavras). Ou até se termina vários parágrafos em seguida com a mesma palavra (ou palavras).
"O beijo no seu filho pode ser o último, o abraço no seu pai pode ser o último, o amor com o marido pode ser o último, o aperto de mãos pode ser o último."
A epístrofe serve para enfatizar uma ideia.
Como se você estivesse num discurso e socasse a mesa ou, para uma ideia mais reflexiva como a do Italo, repetisse cada uma das frases cavando entre elas uma pausa cada vez maior.
O Italo poderia ter escrito só a primeira frase e a ideia já estaria completa: você pode morrer a qualquer segundo. Mas a ideia estar logicamente completa não tem nada a ver com a ideia ser emocionalmente impactante. Não é gostoso pensar na morte. Então que tal repetir que você vai morrer umas quatro vezes?
Veja bem: não foi à toa que Abraham Lincoln imortalizou esta parte do seu discurso: "Governo do povo, para o povo, pelo povo."
Ele usou uma epístrofe. Como se estivesse martelando aquela informação usando a cabeça do martelo, depois o cabo do martelo, depois a própria testa. Para o prego entrar e fechar o caixão de vez.
Italo martela a morte e deixa o leitor borocoxô. Triste. Mas não para aí: depois entra com a parte esperançosa da parada (estou muito carioca) e joga um monte de verbos no gerúndio um atrás do outro, empilhando-se uns sobre os outros para criar no texto a sensação de energia e movimento que ele quer criar no leitor: "elevando seu coração, cumprindo seu dever, matando seu egoísmo…"
Curiosamente, aliás, a epístrofe funciona muito bem com a morte (e a frase do Italo não é sobre outra coisa).
Talvez porque a vida humana seja uma gigantesca epístrofe e o final seja idêntico para todos: o caixão.
Atenção: a análise não acabou aqui.
Na verdade, este texto não é nem metade da análise completa. Mas eu não vou entregá-la completa por aqui. O texto ficou muito grande, muito denso, e a experiência de estudá-lo (sim, será algo digno de estudar) por aqui não seria muito boa.
Resolvi fazer algo melhor, muito melhor.
Criamos um PDF com dezenas de páginas e vamos entregá-lo de graça.
Para recebê-lo, porém, você precisa entrar no grupo de WhatsApp d'A Oficina de Escrita.
Ali, você poderá baixar o PDF completo e receber outros conteúdos exclusivos:
https://funil.live/informacoesoficinadescrita
O termo não é novo. Já em 1984, Jay Conrad Levinson tinha tornado popular a ideia dum marketing anti-marketing com seu livro "Marketing de Guerrilha").
“vence”, claro, no sentido de viralizar. E usar a raiva para viralizar é escolher ficar com bastante frequência a um triz de causar injustiças, além de treinar-se para abordar este ou aquele tópico já pelo ângulo que poderá ser mais polêmico em vez de mais verdadeiro.
Hahahaha essa do Ítalo ri demais
Haja Ítalo para gerir tanta raiva despertada! Haja Raul para descrever isso com maestria!